
Tapiès
XXX
Se a sombra da árvore
decidisse usurpar o lugar da árvore,
a qual delas regressariam na primavera as aves dos antípodas?
Em qual delas os ramos a abater
pelo lenhador à chegada do inverno ?
A sombra desta árvore parece assim ter adquirido movimentos próprios que a levarão a tomar a iniciativa de se reclinar também
para onde a luz mais incide;
esta sombra sabe que é um corpo estranho à árvore,
sabe e contudo não desistirá mesmo correndo o risco incontornável
de se dissipar absorvida justamente pela luz
que a tinha esculpido contra a árvore;
talvez o pensamento se assemelhe um pouco a essa sombra temerária
que tomou consciência um dia da sua incómoda posição de subalternidade em relação à vida,
também ele há-de insistir nem que por isso tenha de colidir
com aquilo a que deve os contornos à necessária delimitação
do seu perímetro vital.
Se a sombra de um pássaro
entrasse em competição desenfreada com o pássaro,
de qual o voo depois que iria sobreviver-lhes incólume?
Se a sombra de um homem
entrasse também em competição com esse homem,
de qual deles seria posteriormente o único pensamento a salvo ?
Se a sombra da tua mão
começasse igualmente a reivindicar à tua mão
a proeminência da escrita
de qual delas seria o traçado das linhas de fuga sobre
o branco último da página ?
Se a sombra das palavras
iniciasse um motim contra essas mesmas palavras,
com quais o poema consentiria ser escrito ?
Se a sombra do teu olhar
disputasse a primazia ao teu olhar,
por qual deles os teus olhos optariam
para avistares deles a árvore do inconhecimento ?
Se em disputa pelo teu amor
a sombra de quem amas
desalojasse a quem amas,
qual estreitarias num demorado abraço totalmente aberto ?
Se a sombra do vento
por um qualquer motivo se pusesse ela também a simular o vento,
em qual deles o voo dos pássaros
tomaria a direcção do canto exacto ?
Se a sombra da rosa
quisesse ainda florir com porquê,
qual delas tomarias pela rosa sem porquê ?
Se a sombra da tua porta
disputasse a essa porta a exclusividade de abrir e fechar,
a qual delas baterias tu primeiro
para entrar por fim em tua casa ?
Se a sombra de uma janela
tomasse a iniciativa de ser a janela,
qual delas abririas tu de par em par ?
Se a luz ela própria
tivesse sombra que não se contivesse depois
em ocupar-lhe o lugar,
a qual delas a árvore entregaria sem hesitar
o amadurecimento dos frutos ?
Se a sombra da vida
não pudesse tão-pouco conformar-se com um estatuto subalterno
e pretendesse desafiar a vida para um duelo
de que uma apenas sobreviveria,
por qual delas, sem saber-se previamente o desfecho,
te inclinarias ?
Se a sombra da morte
se sublevasse contra a morte,
qual das duas seria a tua primeira escolha
para te acompanhar até à ultima palavra ?
Se uma das tuas diversas sombras
optasse por unificá-las a todas elas
numa única que posteriormente se decidisse com inteira autonomia
a ocupar-te o corpo e o lugar dele,
onde estarias tu a essa hora
para escolher ?
Se o deus tivesse uma sombra
que lhe reivindicasse a primazia das intermitências e eclipses,
perante qual deles te reclinarias de joelhos sobre o tempo ?
qual convocarias para a palavra mais ao centro ?
de qual te desembaraçarias ao adormecer ?
contra qual ausência de ambos
te baterias num combate sem tréguas até ao amanhecer ?
a qual abandonarias apenas com a condição de ele te abençoar ?
Se a sombra da árvore
decidisse usurpar o lugar da árvore,
a qual delas regressariam na primavera as aves dos antípodas?
Em qual delas os ramos a abater
pelo lenhador à chegada do inverno ?
A sombra desta árvore parece assim ter adquirido movimentos próprios que a levarão a tomar a iniciativa de se reclinar também
para onde a luz mais incide;
esta sombra sabe que é um corpo estranho à árvore,
sabe e contudo não desistirá mesmo correndo o risco incontornável
de se dissipar absorvida justamente pela luz
que a tinha esculpido contra a árvore;
talvez o pensamento se assemelhe um pouco a essa sombra temerária
que tomou consciência um dia da sua incómoda posição de subalternidade em relação à vida,
também ele há-de insistir nem que por isso tenha de colidir
com aquilo a que deve os contornos à necessária delimitação
do seu perímetro vital.
Se a sombra de um pássaro
entrasse em competição desenfreada com o pássaro,
de qual o voo depois que iria sobreviver-lhes incólume?
Se a sombra de um homem
entrasse também em competição com esse homem,
de qual deles seria posteriormente o único pensamento a salvo ?
Se a sombra da tua mão
começasse igualmente a reivindicar à tua mão
a proeminência da escrita
de qual delas seria o traçado das linhas de fuga sobre
o branco último da página ?
Se a sombra das palavras
iniciasse um motim contra essas mesmas palavras,
com quais o poema consentiria ser escrito ?
Se a sombra do teu olhar
disputasse a primazia ao teu olhar,
por qual deles os teus olhos optariam
para avistares deles a árvore do inconhecimento ?
Se em disputa pelo teu amor
a sombra de quem amas
desalojasse a quem amas,
qual estreitarias num demorado abraço totalmente aberto ?
Se a sombra do vento
por um qualquer motivo se pusesse ela também a simular o vento,
em qual deles o voo dos pássaros
tomaria a direcção do canto exacto ?
Se a sombra da rosa
quisesse ainda florir com porquê,
qual delas tomarias pela rosa sem porquê ?
Se a sombra da tua porta
disputasse a essa porta a exclusividade de abrir e fechar,
a qual delas baterias tu primeiro
para entrar por fim em tua casa ?
Se a sombra de uma janela
tomasse a iniciativa de ser a janela,
qual delas abririas tu de par em par ?
Se a luz ela própria
tivesse sombra que não se contivesse depois
em ocupar-lhe o lugar,
a qual delas a árvore entregaria sem hesitar
o amadurecimento dos frutos ?
Se a sombra da vida
não pudesse tão-pouco conformar-se com um estatuto subalterno
e pretendesse desafiar a vida para um duelo
de que uma apenas sobreviveria,
por qual delas, sem saber-se previamente o desfecho,
te inclinarias ?
Se a sombra da morte
se sublevasse contra a morte,
qual das duas seria a tua primeira escolha
para te acompanhar até à ultima palavra ?
Se uma das tuas diversas sombras
optasse por unificá-las a todas elas
numa única que posteriormente se decidisse com inteira autonomia
a ocupar-te o corpo e o lugar dele,
onde estarias tu a essa hora
para escolher ?
Se o deus tivesse uma sombra
que lhe reivindicasse a primazia das intermitências e eclipses,
perante qual deles te reclinarias de joelhos sobre o tempo ?
qual convocarias para a palavra mais ao centro ?
de qual te desembaraçarias ao adormecer ?
contra qual ausência de ambos
te baterias num combate sem tréguas até ao amanhecer ?
a qual abandonarias apenas com a condição de ele te abençoar ?
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