Tuesday, April 07, 2009

Poema inicial de A Casa, o Caminho


Klee



«(...)


«Não temas porque tudo recomeça
Nada se perde por mais que aconteça
Uma vez que já tudo se perdeu.
(…) »
Ruy Belo
Homem de Palavra(s)

Prólogo


Que nome o dessoutro lugar
A desprender-se da vida
Como fruto fora de estação ?

- Nesse instante , dizes , a própria linguagem me deserta - ,
E quem sobreviveria também à provação de ser proferido ?

Esse é o instante da síntese em que o que terei sido acabava sempre
Por se encontrar perpendicularmente com tudo o que viria depois.

O que serei e não serei,
Tudo isso , dizes,
Terá já acontecido,
Apenas faltando acontecer
O mais eternamente consumado.

Ao que te sobra ainda do deus o poema lhe acrescenta silêncio, deserto
E ausência.
O poeta é quem se pôs um dia a caminho
Dos caminhos todos bifurcados no tempo ;




Nenhuma rosa poderá recompor-se
após o perigo que foi ter-nos dado em simultâneo
o rosto e o olhar,
a rosa é essa inexperiência de um deus incapaz
de caber inteiro na vida,
um deus impossibilitado agora de nos proteger
da beleza mais vermelha
derramada sobre a neve,
Deponho o meu nome aos pés descalços
Das coisas :
A morte a nascer sempre mais breve
De cada vez que ouço o rumor
Dos teus passos indefesos e nus,
Colocar palavra por palavra
No lugar exacto do abismo
Que é o de cada coisa sem ninguém;

Ainda não falamos,
Incessantemente dizemos
tão-só até às palavras por enquanto;
o que foste no agora ainda já tão distante
a morte o predisse e concedeu também,
que o poema sobreviva por fim à obscura dádiva
do vazio,
e sem nunca te contradizer
a cada verso tu hás-de desmorrer através dela
para sempre mais desdito
e veemente.

Não para o ser ou
Para o amor aqui é o lugar,
O lugar é aqui tudo o que nos ata
Aos mastros rotos dos dias mais ignóbeis.

Tu és ainda um perfil de morte intacta e limpa,
É de uma vida mais funda
Que o abismo mais leve porém que ave,
Serás assim uma morte salva,
Naco de pão mais perdurável que o tempo
De depois das palavras ;



Porque tu és de um vazio muito para além do deus,
Porque tu resgataste nas tuas redes remendadas de pescador
O que restou da memória dos peixes
à superfície da mudez liberta do mundo,
porque tu és de uma sede maior e mais antiga que o deserto,
forma de pão anterior à fome e à mesa,
água mais perene que qualquer morte,
tu és quem ousou o que no inacabado
não pode permanecer eternamente ofendido.

Tudo quanto te não ias sendo
Só por amor do que poderia ter sido,
Foste tu entretanto que ergueu por nós
Altíssimo o espantalho que afugentava
O que na vida conspira o tempo todo contra nós;

Uma rosa,
Um rosto,
Um teorema,
Um poema,
Tudo isso enquanto perdurar esta equação a destempo
De carne e espírito
A que sempre faltou a premissa inicial;

Aprende a separar
O que são só as palavras do silêncio
Das palavras que serão as tuas no silêncio.

A tempo ainda de,
E mesmo não sendo já possível a salvação,
Salvares teu derradeiro naufrágio
Das intempéries do pensamento.

A tempo ainda de esvaziares os olhos
Para preservar o olhar,
Aí também o lugar onde a morte dá sombra,
Aí o amor,
Aí o amor
À sombra desterrada
Dos trabalhos e dos dias,
Aí , à sombra do declive mais perigoso
Do invisível
Cresce também o que salva…

1 comment:

Anousa said...

Fernando, espero que os poemas generosamente aqui oferecidos encontrem inúmeros caminhos de ida e volta.
Obrigada.